Poucos tem conhecimento da chamada Guerra da Lagosta. Para quem não conhece tratou-se de uma das maiores crises diplomáticas da história entre Brasil e França, que quase chegou às vias militares.
O imbróglio teve início no começo da década de 1960, quando barcos franceses passaram a pescar no litoral de Pernambuco. Depois de esgotar a captura da lagosta em seu próprio litoral e nos países da costa ocidental africana, a França se interessou pelo Nordeste brasileiro, onde a produção crescia a olhos vistos. A exportação anual de lagosta pulou de 40 toneladas, em 1955, para 1.741 toneladas em 1961. O Brasil lucrava quase 3 milhões de dólares por ano com esse comércio, o que na época representava muito mais do que hoje.
Em janeiro de 1962, um pesqueiro francês chamado Cassiopée foi flagrado capturando lagostas e apresado pela corveta brasileira Ipiranga. O incidente abriu uma curiosa discussão diplomática a respeito da natureza do animal em questão. A Convenção de Genebra, assinada em 1958, assegurava que os recursos minerais, biológicos, animais ou vegetais da plataforma continental pertencem ao país costeiro. Com base nesse tratado, o Brasil alegava que a lagosta era um recurso pertencente à plataforma, devido à sua natureza sedentária: para se deslocar caminhava, ou no máximo executava saltos. Em resumo, não nadava.
Em resposta, o governo francês saiu-se com o argumento oposto: a lagosta pode ser considerada um peixe. Lagosta peixe? A Biologia agradece! De acordo com os franceses, ao se mover pelas águas de um lado para o outro, ela certamente não estava andando, e portanto não era um recurso da plataforma. O objetivo era deslocar o assunto para o campo da pesca em alto-mar, permitida pela Convenção.
Para derrubar a lógica francesa, o comandante Paulo de Castro Moreira da Silva (1919-1983), renomado oceanógrafo, defendeu o Brasil com uma pérola de ironia: “Ora, estamos diante de uma argumentação interessante: por analogia, se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave”.
Um prato cheio para a pilhéria, a Guerra da Lagosta virou até marchinha de Carnaval. Os versos consagrados de “Você pensa que cachaça é água?”, sucesso em 1953, foram adaptados nos salões para “Você pensa que lagosta é peixe?”. Mas a repercussão do caso era levada a sério pelos jornais. Afinal, nenhum dos países dava o braço a torcer: os franceses continuavam pescando lagostas, e a Marinha brasileira apresava os barcos que conseguia pegar em flagrante. A carga era apreendida e os capitães tinham que assinar um termo se comprometendo a não mais voltar à costa brasileira. Mas muitos voltavam.
Os pescadores nordestinos iniciaram protestos gerando forte pressão sobre o governo. Ameaçavam agir diretamente contra os pesqueiros franceses e seus representantes em terra para a defesa de seus interesses. Queixavam-se de concorrência desleal: além de maiores e mais bem equipadas do que as nossas, as embarcações francesas eram acusadas de praticar a pesca de arrasto, modalidade proibida no Brasil por seu caráter predatório. Os brasileiros capturavam lagostas com o tradicional covo, uma espécie de armadilha em que o animal entra e fica preso.
A situação ficou ainda mais tensa no início de 1963. No dia 30 de janeiro, um navio de patrulha detectou a presença de pesqueiros franceses na região, e como estes ignoraram a ordem para se retirar, recebeu ordens da Marinha para “usar a força na medida do necessário”. Diante da ameaça de um ataque, os franceses mudaram de idéia. O problema é que, dias depois, os barcos e suas cargas não apenas foram liberados como o presidente João Bundão Goulart, quebrando o protocolo das negociações, concedeu pessoalmente ao embaixador da França no Brasil, Jacques Baeyens, autorização para que seis pesqueiros voltassem a capturar lagostas na região.
O clamor público foi tamanho que a autorização foi suspensa. Era a vez dos franceses protestarem. O chanceler francês afirmou não aceitar a decisão brasileira. A ira se alastrou pelo governo da França, o que resultou na popularização da frase “O Brasil não é um país sério”, erroneamente atribuída ao presidente Charles De Gaulle. Mas ele se envolveu diretamente na crise: por ordem sua, a França enviou um navio de guerra para a região com a tarefa de proteger os pesqueiros franceses. João Goulart imediatamente determinou uma resposta militar. O Conselho de Segurança Nacional foi convocado para discutir sobre a salvaguarda de nossa soberania sob ameaça militar estrangeira.
Diversos navios foram enviados para o litoral de Pernambuco, enquanto os de Salvador entraram em prontidão rigorosa. Esquadrões de aeronaves foram deslocados para Natal e Recife. A mobilização foi rápida mas intempestiva, revelando as grandes restrições materiais dos nossos navios, principalmente no aspecto logístico, na manutenção precária e na necessidade de muitos reparos. As restrições de munição e torpedos eram tão críticas que não permitiam aos navios manter um engajamento por mais de trinta minutos!!!
Na opinião pública, a guerra estava declarada. “Navios franceses atacam no Nordeste jangadeiros que pescam lagosta”, estampou o Correio da Manhã. “Frota naval da França ronda costa do Brasil”, anunciou o Última Hora. Enquanto isso, nos jornais franceses, por mais de uma vez as autoridades vieram a público lembrar que seu país detinha tecnologia nuclear, ao contrário do Brasil.
Nos bastidores diplomáticos, havia outras questões em jogo. A França imaginava que a postura firme do governo brasileiro estaria sendo respaldada pelos Estados Unidos, num apoio não declarado. Era uma suposição equivocada. Na época, o Departamento de Estado americano enviou mensagem ao Brasil lembrando que nossos navios de guerra – na época arrendados aos Estados Unidos – por contrato não poderiam se envolver em conflito com países amigos dos norte-americanos. Brincadeira, né!? Ordenava por isso que eles voltassem imediatamente às suas bases. O Brasil recusou-se a atender ao pedido americano, mencionando o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) e usando um argumento caro aos brios militares daquele país: por ocasião do ataque à base de Pearl Harbor, em 1941, o Brasil declarara guerra ao Japão, em solidariedade aos Estados Unidos.
Por sorte, a Guerra da Lagosta não passou de uma indigesta hostilidade entre as nações. Em 10 de março de 1963, a França retirou seu navio de guerra e os pesqueiros por ele protegidos. O Brasil conseguia, assim, impedir a captura de lagostas em sua plataforma continental, apesar da intimidação militar de um país com poderio bélico muito maior.
A crise foi uma demonstração de que, mesmo entre países tradicionalmente amigos, os Estados não estão isentos de serem ameaçados, até pelo uso da força, quando estão em jogo interesses econômicos.
A história se repete
Muitas águas rolaram até que ficassem mais claros os critérios para a definição das áreas de exploração marinha e submarina no Brasil.
Um ano depois da queda-de-braço com a França em torno das lagostas, veio o golpe. E o novo regime ampliou largamente os limites do mar territorial, estendidos de 12 para 200 milhas. Tudo o que havia nessa faixa de cerca de 370 quilômetros passava a fazer parte do território brasileiro – tanto os recursos do subsolo quanto a fauna e a vegetação aquática. A decisão unilateral não foi bem aceita no âmbito internacional, onde por convenção vigorava a delimitação do mar territorial em 12 milhas a partir da costa.
Apenas na década de 1980 nosso mar voltaria a “mudar de tamanho”. Uma série de encontros organizados pela ONU levou à assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), ratificada hoje por 156 países, entre os quais o Brasil. As novidades? Antes de mais nada, a fixação dos limites do Mar Territorial nas velhas 12 milhas marítimas (cerca de 22 km) para todos: na área (e no espaço aéreo sobre ela) cada estado costeiro tem soberania plena. Além dessa faixa, foi criada uma zona contígua de outras 12 milhas, e em seguida uma região chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), com 200 milhas a partir do litoral. Também nela o estado tem direito à exploração comercial dos bens existentes na água, sobre o leito do mar e no subsolo marinho, mas não possui “soberania plena” – não pode, por exemplo, negar o chamado “direito de passagem inocente” a navios de outras bandeiras, inclusive navios de guerra.
A mesma Convenção permitiu aos estados costeiros apresentar à ONU projetos para a fixação do limite exterior de suas Plataformas Continentais (PC), até uma distância máxima de 350 milhas (ou 648 km) da costa. Na área de sua PC, o país tem direito à exploração dos recursos do solo e subsolo marinhos, mas não dos recursos vivos do mar.
Recentemente, o Brasil teve seu pedido aprovado. Estas duas áreas (ZEE e PC), somadas, correspondem a quase 4,5 milhões de km², o equivalente a mais de 50% do território nacional. Pelo tamanho, pouco superior à extensão da Amazônia, esse espaço marinho é chamado de Amazônia Azul. Desta forma ficam protegidas todas as recentes descobertas de jazidas petrolíferas, como a camada pré-sal, que se estende do Espírito Santo a Santa Catarina e é localizada próxima ao limite das 200 milhas náuticas.
Mas se para o subsolo não há problemas, é a parte líquida da Amazônia Azul que preocupa, pois a capacidade de exploração pesqueira nacional não é das melhores. Desde a década de 1950, recorremos a barcos de pesca estrangeiros, principalmente japoneses, que capturavam atum em águas profundas sob encomenda de empresas brasileiras. Nos anos 1990, o total de barcos pesqueiros “arrendados” chegou a quase 150. Hoje eles são cerca de 60, de diversas procedências, mas ainda com predominância asiática.
E os piratas também rondam por aqui. Descobriu-se recentemente que barcos japoneses não-autorizados – verdadeiros navios-fábrica – freqüentavam as águas brasileiras para capturar espécies valiosíssimas, como o calamar, um molusco de águas geladas vendido como iguaria, ou o caranguejo de águas profundas, comercializado nos mercados de Tóquio a mais de R$ 60 o quilo.
Da lagosta ao caranguejo... a história se repete!
...O imbróglio continuo no governo militar. Os Franceses continuaram a pressionar o governo brasileiro, mas o Marechal.Castelo Branco, que governava o país articulou uma visita do então Presidente Charles de Gaulle ao Brasil , para estabelecer acordos de cooperação econômica e tecnológica. Assim com a recusa dos americanos em vender modernos caças ao Brasil, por não terem conseguido a cooperação militar do Brasil na guerra do Vietnam, os franceses desembarcaram dispostos a negociar. O Brasil adquiriu um dos mais modernos e temíveis caças a jato do mundo o MIRAGE, ao mesmo tempo que desenvolveu juntamente com os franceses a implantação de uma fábrica de aviões (EMBRAER) e a construção de um projeto francês (aperfeiçoado e modernizado por engenheiros brasileiros do ITA) o EMB-110 Bandeirante!
ResponderExcluirAconteceu uma transferência de moderna tecnologia aeronáutica, colocando a indústria nacional como uma das melhores do mundo, graças a isso a EMBRAER enquanto empresa estatal, firmou convênios de cooperação com indústrias italianas(aermacchi) e passou a fabricar caças a jato puro (Xavante) desenvolvendo ainda um caça leve chamado AMX, que equipa a força aérea italiana e brasileira! E ainda a Embraer firmou convênio com uma das mais tradicionais e conservadoras indústrias aeronáuticas norte´-americana a Piper Aircraft! Fabricando toda a linha de aviões leves da emprêsa até hoje!
"...a camada pré-sal, que se estende por 800 mil km de Espírito Santo a Santa Catarina..." Clark, 800 mil km são mais que o dobro da distância da Terra à Lua, 20 vezes a circunferência da Terra e 66 vezes seu diâmetro. Não seriam 800 km?
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