quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Diga o que tu ouves e eu lhe direi quem és (ou a sociedade sem discernimento pede a sua música)

Não é de surpreender que a música atual esteja uma porcaria. Numa época em que a maioria das pessoas prefere abrir mão do discernimento e aceitar tudo numa boa, confiando cegamente em autoridades, ídolos, pessoas prestigiadas e até em seres inventados pelas religiões, a música tinha que ser adequada a esta mentalidade.

A sociedade brasileira de hoje é uma sociedade alienada em seu quase todo. A submissão à mídia, graças a vocação natural do brasileiro de querer ser mandado, algo que fortalece a alta religiosidade de nossa população e que também impede qualquer tipo de contestação à tudo que está errado em nosso sistema social, tem favorecido um encolhimento do senso crítico (a auto-crítico) do brasileiro, que resolveu de uma vez por todas descartar o discernimento, elegendo a fé como a sua maior qualidade. Acreditar e aceitar tudo virou a ordem. Contestar, só aquilo que os "líderes" permitirem.


E por isso mesmo, está havendo uma grave decadência cultural, com a supervalorização de tendências popularescas e o desprezo quase odioso a tudo que seja realmente intelectualizado. Superestimar a crueza intelectual do povo pobre virou sinônimo de "valorização social do povo pobre", se esquecendo que a população carente tem baixo nível intelectual, estimulado pela baixa qualidade de nossa educação e pelo discernimento não utilizado com habitualidade. Uma sociedade assim, pede uma cultura adequada a isso. Povo burro faz cultura tão burra como ele, já que cultura é o produto da uma população. Cultura burra, mas disfarçada de "inteligente", para ser melhor assimilada.

A coisa está tão grave que até mesmo pessoas de classes mais abastadas, com diplomas e mais diplomas em suas gavetas, resolveram aderir a bregalização que está destruindo a nossa cultura, acreditando estar fazendo "justiça social" com isso. Como se ter os mesmos hábitos e gostos do povo pobre pudesse compensar - e não compensa - a má distribuição de renda perpetualizada pelos ricos tupiniquins.

Pelos costumes sociais e pela manutenção de ideias e costumes de 100 anos atrás, alterados apenas superficialmente, na aparência, dá para perceber que ainda estamos muito atrasados intelectualmente. Não contestamos nada. Aprovamos tudo que a maioria aprova, por acreditar, talvez inspirados nas eleições políticas, que as maiorias estão sempre certas. E os fatos mostram que não.

Voltando as elites, até nelas nota-se uma redução no intelecto. Para se ter uma ideia, se elas reprovam as tendências curtidas pelo povão, nunca reprovam por completo. Sabe o que eles tomam como "alternativa" ao gosto do povão? O mesmo popinho brasileiro e estrangeiro que rola nas rádios "sofisticadas", que não passa do velho hit parade de décadas passadas, recicladas como se fossem "jazz contemporâneo".

Parece que até para os supostamente intelectualizados, não é bom se afastar muito da bregalização reinante. Nada dos questionamentos "difíceis" de Bob Dylan. Nada das melodias complexas de Laura Nyro ou da banda Lotus Eaters. Alternativos como Wedding Present e Ride? Ih, passam longe! As esquisitices de frank Zappa, nem pensar! Quem é Nick Drake?

Para os brasileiros supostamente intelectualizados, música "de qualidade" é aquele pop comercial velho, tão romântico quanto qualquer pagode seboso do tipo Thiaguinho, que é absorvido instantaneamente pelo "Zé Poveco". Michael Jackson, Whitney Houston, Bee Gees e tudo que se perecer com eles, já que para os "intelectualizados" brasileiros, é bom não radicalizar muito. Se for para "se elevar" que se eleve só um pouquinho.

Mesmo assim há muita gente de "nível superior" aprovando qualquer bobagem. Mas converse com algum deles e verá que não é tão incoerente assim, já que o seu gosto se relaciona com o seu nível intelectual bastante escasso. Se o intelecto dele serviu para elevar a sua escolaridade, não serviu para elevar o seu intelecto. Ah, novidade! Perceberam que escolaridade e intelecto não são sinônimos!

Uma sociedade sem discernimento, que usa o cérebro apenas para o trabalho e para o estudo; que é altamente religiosa; que acredita em qualquer um que responda pela "missão" de "líder"; que prefere usar a fé do que esforçar o seu raciocínio; uma sociedade medrosa, preguiçosa e crédula, que molda os seus gostos e convicções através do que lhe dizem, pede uma música tão alienada quanto a própria população.

A cultura brasileira é o retrato da população. Ela será ruim se a população continuar ruim. Se não começarmos a contestar os valores "positivos" que a mídia e as regras sociais insistem em nos empurrar, continuaremos assim, com a manutenção de tudo de ruim que está em nossas faces, já que tudo é fruto de uma educação mal dada e que nem quilos e mais quilos de diplomas - que não passam de pedaços de papel para satisfazer exigências burocráticas do mercado de trabalho - consegue melhorar.

Usemos melhor os nossos cérebros. No lazer também. Aprendamos a nos divertir pensando. No final, vamos perceber que tudo aquilo que consideramos legal e correto é na verdade um monte de farsas feitas para nos mantermos inertes, para que todos os problemas e injustiças permaneçam aonde estão. E de onde não sairão tão cedo.

Um comentário:

  1. Laura Nyro é a maior! Realmente, para o povo intelectualóide de hoje, no Brasil e no mundo, é bom que a magnífica compositora continua com o pouco ( e injusto) reconhecimento que sempre tivera...

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